Apesar da força econômica dos países que compõem o BRICS — que juntos respondem por cerca de 40% do PIB global e por quase um quarto do comércio mundial de bens —, o intercâmbio comercial entre os membros do bloco ainda enfrenta uma série de entraves. Um novo e inédito relatório elaborado pelo Conselho Empresarial do BRICS (CEBRICS), órgão oficial de representação do setor privado dos países-membros identificou inicialmente 24 barreiras não tarifárias que comprometem as trocas comerciais intrabloco. No Brasil, o grupo é secretariado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A publicação será apresentada durante o Fórum Empresarial do BRICS, no Rio de Janeiro, e integra os esforços do grupo empresarial para aprofundar a agenda de comércio e investimentos entre os países do bloco. O comércio intrabloco do BRICS movimentou cerca de US$ 1,1 trilhões em 2023, correspondendo a 20% do total exportado e a 30% do total importado pelos países que compõem o bloco, mostrando que há potencial para ampliar as relações.
O levantamento mapeou obstáculos diversos — de natureza regulatória, sanitária, fitossanitária, técnica, aduaneira e administrativa — que afetam de forma direta empresas exportadoras e importadoras. A Índia aparece com o maior número de barreiras (10), seguida por China (9), Rússia (5) e Brasil (3). No entanto, as barreiras associadas à China se destacam pela complexidade regulatória e pelo alto impacto sobre setores estratégicos, como biotecnologia, tecnologia da informação, logística e propriedade intelectual.
Segundo Ricardo Alban, presidente da CNI, o relatório reforça a contribuição do setor privado para a cooperação econômica no BRICS. "Este levantamento é uma iniciativa inédita que reforça o papel do empresariado no avanço da agenda econômica do BRICS. Ao mapear de forma estruturada os principais obstáculos ao comércio intrabloco, contribuímos concretamente para ampliar a integração e promover um ambiente de negócios mais previsível e eficiente."
A iniciativa foi inspirada na estratégia da indústria brasileira de mapeamento sistemático de obstáculos ao comércio, implementada pela CNI com o setor produtivo nacional. Com base nessa experiência, o CEBRICS coordenou um esforço inédito entre os membros da Força-Tarefa de Comércio e Investimentos, resultando na sistematização de um primeiro conjunto de barreiras notificadas pelos representantes empresariais dos cinco países.
O objetivo do relatório é fornecer aos governos nacionais um diagnóstico claro dos gargalos enfrentados pelo setor privado, promovendo maior transparência regulatória, alinhamento institucional e criando condições para a eliminação ou mitigação desses entraves por meio de ações coordenadas. "Nossa expectativa é ampliar a cooperação empresarial, científica e tecnológica para reduzir assimetrias e ampliar o acesso aos mercados intrabloco", afirma Frederico Lamego, superintendente de Relações Internacionais da CNI.
A expectativa é que o documento se torne um instrumento permanente de monitoramento e referência para o diálogo público-privado no âmbito do BRICS.
Principais barreiras comerciais identificadas no levantamento do CEBRICS:
Índia
- Regras rígidas de rotulagem para alimentos, cosméticos e produtos industriais, que geram altos custos e atrasos.
- Barreiras sanitárias que afetam a entrada de maçãs, peras e alho da China, com restrições vigentes desde 2014 e 2017.
- Obrigatoriedade de certificações locais para produtos químicos e para o setor têxtil, com rejeição de certificações internacionais.
- Política de preços e subsídios para o setor de açúcar, que gera distorções no mercado global.
- Restrições a serviços jurídicos e aplicação de testes de necessidade econômica (Economic Needs Test) para diversos setores, como varejo, saúde e serviços profissionais.
China
- Obrigatoriedade de testes em animais para cosméticos importados, prática já abolida em mercados como UE e Índia.
- Demoras na aprovação de biotecnologias agrícolas, com prazos médios de 4 a 5 anos, o que afeta a comercialização de commodities como soja e milho.
- Exigências de certificação compulsória (CCC) para eletrônicos e maquinários industriais, mesmo quando já certificados internacionalmente.
- Burocracia na certificação de produtos químicos e barreiras logísticas para equipamentos portuários, com prazos que impactam até 10 dias nas operações.
- Dificuldades na proteção de propriedade intelectual no setor de tecnologia e software, devido a padrões técnicos fragmentados.
Rússia
- Restrições em serviços técnicos e de consultoria, incluindo exigências locais que impactam a entrada de empresas estrangeiras.
- Exigências específicas para softwares, IA e cibersegurança, com barreiras relacionadas a certificações e propriedade intelectual.
- Regras de conteúdo local em compras governamentais, principalmente em setores como defesa, tecnologia e energia.
África do Sul
- Imposição de critérios de conteúdo local em compras públicas, que afetam setores como energia, defesa e infraestrutura.
- Exigência de certificações locais para produtos, mesmo quando já certificados por padrões internacionais.
- Restrições à entrada de serviços jurídicos e aplicação de testes de necessidade econômica, semelhantes às práticas adotadas na Índia.
Brasil
- Burocracia nos processos de importação de equipamentos portuários, com exigência de inspeções que podem gerar atrasos médios de 7 a 10 dias.
- Incertezas no acesso a biossimilares devido a procedimentos regulatórios complexos e sobreposição de patentes.
- Dificuldades associadas à falta de harmonização nas certificações ambientais (green goods) e nos padrões de sustentabilidade.
Sobre o Fórum
O Fórum Empresarial do BRICS é uma plataforma para o avanço da cooperação diante dos desafios globais que reúne esforços dos países membros para promover uma agenda baseada em inovação, sustentabilidade e inclusão econômica. O evento conta com os patrocinadores XCMG, DP World, Keeta, WEG, Embraer, Vale, Febraban, Mebo International, Marfrig/BRF, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL), além do apoio institucional do Conselho Nacional do Sesi, da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), da Natura, do SEBRAE, da ApexBrasil e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).