Impacto vai além da tributação: cláusulas de preço, fusões, aquisições e até concessões públicas entram no radar de ajustes antes da transição que começa em 2026
A aproximação da fase de transição da Reforma Tributária, com início previsto para 2026 e início da cobrança plena em 2027, tem levado empresas de todos os portes a reavaliar seus contratos com clientes, fornecedores e até mesmo com o setor público. O objetivo é antecipar os impactos tributários e evitar prejuízos futuros diante da mudança radical no modelo de cobrança de tributos sobre o consumo.
Cláusulas de preço líquido ganham destaque
Um dos pontos mais debatidos por especialistas é a necessidade de contratos que estabeleçam preços líquidos — ou seja, valores sem tributos embutidos — para evitar distorções na aplicação da nova sistemática. Isso porque tanto a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) quanto o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) serão cobrados “por fora”, permitindo o aproveitamento de créditos tributários.
“A recomendação básica é: trabalhe com cláusula de preço líquido. A partir daí você insere os tributos exigíveis conforme a legislação vigente”, afirma Thiago Amaral, sócio da área de tributação do consumo no Demarest Advogados.
Fusões, aquisições e reorganizações sob nova análise
A reestruturação contratual não se limita a relações comerciais básicas. Negócios de maior complexidade, como operações de fusões e aquisições, também estão sendo revistos. As estimativas de lucro, que fundamentam muitas dessas transações, podem se tornar inviáveis diante da extinção de benefícios fiscais ou da reformulação de preços.
“Alguns negócios podem até perder o sentido com o fim dos incentivos fiscais”, alerta Elisa Henriques, sócia da área tributária do Velloza Advogados.
Além disso, reorganizações societárias e condições de prestação de serviços também estão na mira de ajustes, já que a reforma impacta diretamente as estruturas operacionais e as cadeias de suprimentos.
Contratos de médio e longo prazo precisam de cláusulas específicas
Para Diogo Olm Ferreira, sócio da área de Direito Tributário do VBSO Advogados, é fundamental que contratos de médio e longo prazo prevejam, expressamente, como os efeitos da reforma tributária serão tratados entre as partes.
“A reforma não é um jogo de soma zero. Contratos bem redigidos, com cláusulas claras sobre os tributos, beneficiam ambas as partes e evitam litígios”, afirma.
Segundo ele, os contratos privados, como os firmados entre fornecedores e clientes, estão sendo os mais revisados neste momento. Mas o impacto se estende a contratos de locação, fornecimento de energia, construção e infraestrutura, entre outros.
“As empresas estão incluindo cláusulas para neutralizar impactos financeiros ou mesmo para exigir renegociação automática. Muita relação contratual vai ser rediscutida nos próximos anos.”
Concessões públicas terão ajustes obrigatórios
A nova legislação prevê expressamente que contratos firmados com o poder público poderão ser revisados para garantir o equilíbrio econômico-financeiro frente à nova estrutura tributária. Essa medida é especialmente relevante no caso das concessões públicas, em que a previsão de receita e custo impacta diretamente a viabilidade dos projetos.
Já no setor privado, a revisão contratual dependerá da livre negociação entre as partes, o que pode colocar empresas de menor porte em situação de desvantagem.
Pequenas empresas terão menos poder de barganha
Carlos Pinto, diretor do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), destaca que empresas optantes pelo Simples Nacional terão maior dificuldade nas renegociações. Além de lidarem com limitações na estrutura contratual, esses empresários terão que decidir se irão ou não recolher os novos tributos (CBS e IBS) dentro da guia única ou em regime separado.
Essa decisão será mais mercadológica do que técnica. A empresa tomadora do serviço pode simplesmente exigir: ‘Se você não mudar, não comprarei mais de você’”, afirma.
A reforma muda a forma de fazer negócios
Além da tributação, a reforma altera a forma como os negócios são estruturados. Para Thiago Amaral, a transição exige um olhar estratégico:
“Embora o foco seja tributário, essa é, na prática, uma reforma da forma de fazer negócios no Brasil. Estamos mais do que na boca do gol, com os efeitos começando em 2026. Não dá mais para ficar esperando para ver. Os nortes estão dados.”
Ele ressalta que as empresas precisam se antecipar, analisando a necessidade de revisar cadeias de fornecedores, logística, estrutura societária e até modelos de precificação.
Conclusão: contratos precisarão refletir nova realidade jurídica e econômica
Com mudanças profundas no sistema de tributação do consumo, contratos antigos poderão se tornar obsoletos ou mesmo gerarem litígios. Especialistas recomendam atualizar imediatamente contratos relevantes, principalmente os de prazo mais longo, e incluir cláusulas específicas sobre o impacto da reforma.
A recomendação é clara: quem não se adaptar corre o risco de perder competitividade ou enfrentar disputas comerciais e jurídicas nos próximos anos.