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O que é um "SPA" e como ele é estruturado?

As operações de fusões e aquisições (em inglês, Mergers & Acquisitions, ou simplesmente “M&A”), a depender do porte e das especificidades do negócio, podem se revelar um processo complexo e faseado, com múltiplos instrumentos de formalização

As operações de fusões e aquisições (em inglês, Mergers & Acquisitions, ou simplesmente “M&A”), a depender do porte e das especificidades do negócio, podem se revelar um processo complexo e faseado, com múltiplos instrumentos de formalização. No presente artigo, trataremos do principal instrumento da operação, aquele que estipula as obrigações, deveres e condições do negócio: o SPA (do inglês Shares Purchase Agreement e, em português, Contrato de Aquisição de Ações). A denominação do instrumento também pode variar para Stock Purchase Agreement ou QPA – Quota Purchase Agreement.

Conforme o título revela, esse instrumento, em sua natureza, é um contrato de compra e venda. Contudo, em virtude do objeto da operação – quotas ou ações emitidas por pessoas jurídicas –, o SPA contém diversas especificidades. Diferentemente de um contrato de compra e venda que tenha por objeto um bem estático – um imóvel ou veículo, por exemplo – aqui se transaciona as ações ou quotas de uma empresa, um ente dinâmico e em constante mutação.

Logo, vendedor e comprador geralmente se preocupam em estabelecer em maiores detalhes a qualidade do bem que está sendo transferido, a responsabilidade de cada parte acerca dos passivos e ativos da empresa target e o mecanismo de resolução de eventuais disputas que decorram do contrato, dentre outros.

Tipicamente, um SPA está estruturado da seguinte forma:

  • Considerandos: após a qualificação das partes e antes da redação das cláusulas do contrato, os Considerandos se prestam a contextualizar a operação, as razões principais que levaram as partes a concluir o negócio e sua fundamentação econômica; apesar de muitas vezes menosprezados, os considerados podem ganhar uma relevância ímpar no caso de surgir alguma disputa entre as partes envolvendo o contrato, eis que poderão permitir identificar a intenção das partes com o contrato negociado;
  • Definições: em virtude de sua extensão, a fim de facilitar a leitura do documento, é comum as partes estabelecerem definições objetivas para termos que serão repetidos ao longo do contrato; “Perda”, “Impasse” e “Ônus” são algumas das definições frequentemente estabelecidas e cuja redação merece ser cuidadosamente negociada entre as partes;
  • Cláusula de Preço: estipula o montante da contraprestação que será pago pelo comprador ao vendedor, a moeda de seu pagamento (em dinheiro, bens, serviços), o prazo de pagamento (à vista, em parcelas), a forma de pagamento (em transferência bancária), se haverá correção ou incidência de juros;
  • Cláusula de Ajuste de Preço: nos contratos não estabelecidos na modalidade denominada “porteira fechada” (preço irreajustável e assunção de todas as obrigações da empresa-alvo pelo comprador, independentemente do momento de seu fato gerador), por vezes as partes estabelecem uma Cláusula de Ajuste de Preço; é dizer, as partes estabelecem um preço-base a partir das informações reveladas pelo vendedor ao comprador e um prazo a posteriori para a realização de uma auditoria dos números pelo comprador, cujo resultado poderá apresentar variação nos valores negociados; essa cláusula é um conforto ao comprador, eis que possui a finalidade de assegurar que o preço a ser pago reflete a situação real da sociedade-alvo no momento do fechamento do negócio; por vezes, a realização de ajustes no capital de giro, dívida líquida e até mesmo no EBITDA considerados quando realizados em avaliações anteriores podem afetar o preço-base originalmente estabelecido;
  • Cláusula de condições precedentes: nem sempre a assinatura do SPA e a efetiva transferência das quotas ou ações, do vendedor ao comprador, ocorrem concomitantemente; nesses casos, as partes podem estabelecer em contrato as condições para que ocorra a futura concretização do negócio, comumente denominada Fechamento; ou seja, o pagamento do preço de aquisição e a efetiva alienação das ações ficam sobrestados até o cumprimento das condições estabelecidas, em um determinado lapso temporal estipulado no contrato; as condições precedentes podem decorrer de lei (exemplo: prévia autorização do CADE em transações em que haja concentração de mercado) ou livremente estabelecidas pelas partes (exemplo: antes da aquisição deverá ocorrer uma cisão parcial para retirada de determinados bens ou o vendedor deverá encerrar determinado procedimento judicial em curso); em operações organizadas na modalidade assinatura (signing) + fechamento (closing), é usual as partes definirem parâmetros de condução do negócio que deverão ser seguidos pelo vendedor neste ínterim, como por exemplo a obrigação de conduzir o negócio nos limites do curso ordinário das operações, sem a tomada de dívidas ou aprovação de investimentos extravagantes;
  • Cláusula de declarações e garantias (Representations and Warranties): cláusula em que o vendedor “declara e garante” ao comprador as qualidades da empresa-alvo; essa cláusula é utilizada para alocar riscos quanto a determinadas situações de fato e/ou indicar particularidades essenciais para a formação do preço; tipicamente, o vendedor declara ao comprador se as demonstrações contábeis da companhia refletem adequadamente todas as suas operações, a existência ou não de ações administrativas e judiciais em curso, entre outros; a cláusula de declarações e garantias é de importância capital ao comprador, eis que, em caso de uma quebra de uma dessas declarações e garantais, em cláusula subsequente as partes definirão a consequência dessa quebra (redução do preço, indenização ou até mesmo rescisão do contrato);
  • Cláusula de indenização: dispositivo que estabelece por quais passivos as partes serão responsáveis e também a quem caberá eventuais ativos contingentes ou supervenientes; esse dispositivo também se presta a estabelecer em que hipóteses e de que modo uma parte terá o direito de pleitear a reparação das perdas e danos pela contraparte; exemplificativamente, é possível estabelecer que, na hipótese de materialização de um passivo de determinada natureza que tenha como fato gerador ato praticado antes do contrato, que o comprador possa redirecionar tal passivo ao vendedor;
  • Cláusula de término do contrato: as partes detêm autonomia para estabelecer se e em que hipóteses o contrato poderá ser rescindido; nesse sentido, convém que as partes estabeleçam de forma objetiva tais casos e as consequências daí decorrentes; em grande parte dos casos, as partes estabelecem quais são as declarações e garantias fundamentais prestadas pelos vendedores e que, na hipótese de quebra de uma delas, o comprador terá o direito, mas não a obrigação, de rescindir o contrato; eventualmente, as partes também podem estabelecer o mecanismo de sole remedy, advindo da common law, por meio do qual as partes renunciam ao direito potestativo de pleitear a resolução do contrato por descumprimento, estabelecendo que o “único remédio” (sole remedy) para descumprimentos contratuais serão as perdas e danos; em contratos na sistemática assinatura (signing) + fechamento (closing), é comumente definido quais são os Eventos Materiais Adversos, do inglês MAC (Material Adverse Change Clause), os quais, materializados, permitem ao potencial comprador ou vendedor não prosseguirem com o fechamento do negócio;
  • Cláusula de não concorrência: também denominada cláusula de não competição, não raras vezes, em hipóteses de compra de 100% (cem por cento) das ações/quotas, o comprador condiciona a transação à assunção do compromisso de não concorrência por parte do vendedor; por esse dispositivo, o vendedor estará impedido de concorrer com as atividades definidas em contrato como concorrentes; a fim de não comprometer a sua validade, é fundamental que a obrigação de não concorrência observe quatro limites: (i) limite material, o qual especifica quais são as atividades consideradas concorrentes e cuja prática é vedada; (ii) limite espacial, o qual especifica o território em que está vedada a prática de concorrência; (iii) limite temporal, o qual fixa um prazo determinado durante o qual está vedada a concorrência; e (iv) contrapartida pecuniária proporcional, consistente no prêmio conferido ao obrigado por não concorrer, o qual poderá, se desejado pelas partes, ser incluído como parte do preço;
  • Cláusula de não aliciamento: além da cláusula de não concorrência, por vezes o comprador exige que o vendedor se comprometa, por determinado período, a não contratar funcionários ou prestadores de serviços da sociedade-alvo;
  • Cláusula de eleição de foro e mecanismo para resolução de conflitos: como regra geral, disputas relacionadas ao contrato poderão ser submetidas ao foro judicial competente; as partes podem, a fim de evitar dúvidas, estabelecer claramente qual o foro competente para processar disputas oriundas do Contrato (exemplo: foro cível da comarca de Curitiba); alternativamente, as partes eleger a mediação e/ou a arbitragem como mecanismo privado de resolução de conflitos.

Além do contrato em si, usualmente o SPA faz referência a um corpo de anexos como parte integrante do documento. Como exemplos de anexos ao contrato podem estar as demonstrações financeiras e contábeis da sociedade, principais patentes, licenças e certidões, outros documentos que serão firmados juntamente com o SPA – como, por exemplo, um acordo de acionistas – e outros documentos considerados relevantes para o negócio.

(*) Gabriel Zugman é advogado na Domingues Sociedades de Advogados, mestre em Direito Empresarial e especialista em Direito Societário, Contratos Empresariais e M&A (Fusões e Aquisições).

(**) Rodrigo Coppla Man é advogado na Domingues Sociedades de Advogados e especialista em Direito Societário e Ciências Contábeis.


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