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Reforma tributária: uma análise dos impactos nas empresas de capital aberto

Segundo o Banco Mundial, o país está entre os mais complexos em termos de cumprimento de obrigações fiscais.

Em um ambiente econômico global cada vez mais competitivo, o Brasil busca avançar com uma necessária reforma tributária. Segundo o Banco Mundial, o país está entre os mais complexos em termos de cumprimento de obrigações fiscais. A estrutura tributária atual é caracterizada por múltiplos impostos e contribuições, administrações tributárias em três níveis de governo, litígios fiscais extensos e onerosos e uma carga tributária alta e crescente. Diante desse contexto, a reforma tributária emerge como uma questão central na agenda política e econômica do país.

A intenção é simplificar o sistema, reduzir a litigiosidade, aumentar a eficiência econômica e promover um ambiente de negócios mais favorável. No entanto, de acordo com um estudo do banco Santander, que examinou 114 empresas em 15 setores diferentes, a reforma tributária pode ter um impacto variado nas empresas de capital aberto. Este artigo pretende analisar de maneira aprofundada as implicações técnicas, jurídicas e econômicas dessa reforma, com um foco especial na implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

A dinâmica atual e a necessidade da reforma tributária

Atualmente, o sistema tributário brasileiro é composto por mais de 60 tributos, entre impostos, taxas e contribuições. A Constituição de 1988 estabelece que cada um dos três níveis de governo — federal, estadual e municipal — tem o poder de criar e coletar impostos. Essa divisão resultou em um sistema tributário fragmentado, com diferentes regimes fiscais coexistindo e, muitas vezes, superpondo-se.

Os impostos sobre o consumo, em particular, são considerados uma das principais fontes de complexidade. Eles são compostos por cinco impostos principais — IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins — cada um com suas próprias regras e administrações tributárias. A complexidade do sistema é agravada pelo uso extensivo de regimes fiscais especiais, isenções e incentivos fiscais, que resultam em uma estrutura tributária altamente distorcida e ineficiente.

Nesse cenário, a reforma tributária torna-se imperativa para aumentar a competitividade do ambiente de negócios no Brasil, reduzir a insegurança jurídica e melhorar a equidade do sistema tributário. A ideia é substituir o emaranhado de impostos e contribuições por um sistema mais simplificado, transparente e eficiente.

As propostas de reforma tributária e a introdução do IVA

As principais propostas de reforma tributária atualmente em discussão no Congresso são a PEC 45/2019, originada na Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019, originada no Senado. Ambas propõem a substituição de vários impostos sobre consumo por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), semelhante ao IVA adotado em muitos países.

A PEC 45/2019 propõe a fusão de cinco impostos — IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS — em um IBS. Já a PEC 110/2019 é mais ampla, propondo a fusão de nove tributos — IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis, ICMS e ISS — em um IBS.

A adoção de um IVA no Brasil teria várias implicações técnicas. Ao unificar vários impostos em um único, seria possível reduzir a complexidade do sistema, facilitar a conformidade fiscal e reduzir a litigiosidade. Além disso, o IVA, sendo um imposto não cumulativo, evita a tributação em cascata, aumentando a eficiência do sistema tributário.

Implicações jurídicas e legais da reforma tributária

Embora a reforma tributária seja tecnicamente desejável, a sua implementação envolve uma série de desafios jurídicos e legais. Em primeiro lugar, é necessário emendar a Constituição para incorporar as mudanças propostas. Essa emenda requer o apoio de três quintos dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado em dois turnos de votação, o que pode ser difícil de conseguir dada a natureza politicamente sensível da reforma tributária.

Além disso, a transição para o novo sistema tributário deve ser cuidadosamente planejada para evitar a criação de novas distorções e litígios. É necessário definir regras claras sobre como os créditos fiscais acumulados sob o sistema antigo serão tratados no novo sistema, como o novo imposto será administrado e como a receita do imposto será compartilhada entre os diferentes níveis de governo.

O impacto econômico e financeiro da reforma tributária

O impacto da reforma tributária sobre as empresas de capital aberto pode ser significativo. Segundo o estudo do Santander, a carga tributária média permanecerá em torno de 9% da receita bruta após a reforma. No entanto, este valor é uma média e pode esconder variações significativas entre as empresas.

Empresas com cadeias de valor mais longas e complexas podem se beneficiar da implementação do IVA, já que este imposto permite a dedução de créditos fiscais ao longo da cadeia produtiva. Por outro lado, empresas que vendem diretamente ao consumidor final podem ver um aumento de sua carga tributária, pois o IVA é um imposto sobre o consumo que incide sobre todas as etapas da produção e distribuição.

Além disso, a reforma tributária pode ter implicações significativas para a competição entre empresas. Ao eliminar distorções criadas pelos regimes fiscais especiais e incentivos fiscais, a reforma pode alterar o equilíbrio competitivo entre empresas e setores. Empresas que atualmente se beneficiam de tratamentos fiscais preferenciais podem encontrar-se em uma posição menos favorável após a reforma.

Os obstáculos políticos para a aprovação da reforma tributária

Como em todas as grandes mudanças políticas, a reforma tributária enfrentará obstáculos significativos para sua aprovação e implementação. No contexto político brasileiro, esses desafios são ainda mais complexos, dada a natureza federativa do país e a diversidade de interesses presentes.

Primeiramente, há o desafio de conseguir o apoio necessário no Congresso para aprovar as emendas constitucionais. A reforma tributária necessita do voto favorável de pelo menos três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos de votação. Isso requer uma grande capacidade de negociação e consenso entre os legisladores, algo que pode ser especialmente desafiador em um ambiente político marcado pela fragmentação partidária.

Além disso, há a questão da divisão da receita tributária entre os diferentes níveis de governo — federal, estadual e municipal. A implementação do IVA pode levar a mudanças significativas na forma como a receita tributária é distribuída, o que pode gerar resistências por parte dos governos estaduais e municipais.

Outro ponto de atenção é a reação dos diferentes setores econômicos à reforma. Alguns setores, especialmente aqueles que atualmente se beneficiam de regimes fiscais especiais, ou de baixa tributação, podem se opor à reforma, temendo um aumento de sua carga tributária. É crucial, portanto, garantir que a reforma seja implementada de maneira a promover a equidade e evitar distorções que possam prejudicar a competitividade de determinados setores.

Por fim, é importante considerar a opinião pública. A reforma tributária é um tema técnico e complexo, que pode ser difícil de comunicar para o público em geral. No entanto, o apoio popular pode ser crucial para garantir a aprovação e implementação bem-sucedida da reforma. Isso requer uma estratégia de comunicação eficaz que explique claramente os benefícios da reforma e como ela contribuirá para o crescimento econômico e a justiça social.

O caminho adiante: desafios e oportunidades

Embora a reforma tributária seja uma medida necessária e potencialmente benéfica para a economia brasileira, a sua implementação está longe de ser uma tarefa fácil. O processo de reforma tributária envolve negociações políticas complexas, desafios técnicos e jurídicos significativos, e o risco de criar incerteza e instabilidade no curto prazo.

No entanto, se bem implementada, a reforma tributária pode trazer benefícios significativos. Ela pode simplificar o sistema tributário, reduzir o custo de conformidade para as empresas, promover a eficiência econômica, e melhorar o ambiente de negócios. Além disso, ao tornar o sistema tributário mais transparente e previsível, a reforma pode contribuir para a redução da insegurança jurídica e promover o investimento e o crescimento econômico.

Conclusão

A proposta de reforma tributária no Brasil representa um marco na transformação do cenário econômico e de negócios do país. Ao simplificar o sistema tributário, aumentar a transparência e reduzir a insegurança jurídica, a reforma poderia estimular o investimento, aumentar a competitividade e impulsionar o crescimento econômico.

No entanto, a trajetória da reforma tributária é repleta de desafios. O processo de alterar a Constituição, a necessidade de equilibrar os interesses de diferentes setores e níveis de governo e a magnitude das mudanças propostas tornam a reforma uma tarefa complexa e delicada. Além disso, as mudanças profundas propostas trarão um período de adaptação e incertezas para as empresas, que terão de revisar estruturas, processos e estratégias para se alinhar à nova realidade tributária.

No entanto, apesar desses desafios, a reforma tributária representa uma oportunidade única para o Brasil modernizar seu sistema tributário, corrigir distorções de longa data e criar um ambiente de negócios mais atrativo. Esta transformação, embora complexa, é crucial para a competitividade futura do país.

Dito isso, as empresas de capital aberto precisam se preparar para a inevitável mudança. A complexidade do novo sistema, embora simplificado em comparação ao atual, exigirá um nível de adaptabilidade e uma compreensão profunda das novas regras. As organizações devem estar prontas para revisar suas estratégias fiscais, investir em conformidade e se engajar com o governo e outras partes interessadas para influenciar e moldar a implementação da reforma.

Afinal, a reforma tributária não é apenas uma mudança no sistema de tributação; é um catalisador para uma transformação mais ampla do ambiente econômico e empresarial do Brasil. E, nesse processo de transformação, as empresas de capital aberto desempenham um papel central. Portanto, é crucial que essas empresas estejam bem informadas, preparadas e engajadas para navegar e prosperar neste novo cenário.

Em suma, a reforma tributária no Brasil representa uma jornada desafiadora, mas promissora, em direção a um futuro de maior eficiência, transparência e competitividade. As implicações desta reforma são profundas e abrangentes, exigindo de todos os atores envolvidos uma compreensão detalhada e uma participação ativa no processo de transformação.


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