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Expectativa para juro e inflação segue descoordenada

Uma evidência da falta de consenso de expectativas para a taxa Selic é a tabela de projeções para o ciclo monetário até dezembro de 2014

 Se a ideia do governo ao priorizar o juro como instrumento de combate à inflação era ancorar as expectativas, a tentativa fracassou. Se de um lado não há consenso entre analistas sobre as perspectivas para a taxa básica, de outro há convicção coletiva de que o Banco Central (BC) não conseguirá fazer a convergência da inflação para 4,5% em 2013 ou 2014.

O centro da meta não está no horizonte das fontes consultadas pelo Valor Data que, do regime de metas vigente no Brasil, enxergam o teto.

Embora os juros no mercado futuro venham apontando que a Selic vai subir 0,25 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de abril, analistas ouvidos pelo Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, têm opinião fechada a respeito de uma só questão: o colegiado liderado pelo presidente Alexandre Tombini não vai alterar a Selic na semana que vem. Já para a reunião agendada para 16 e 17 de abril, surgem estimativas de que o ciclo de aperto monetário terá início.

O que indicam as 35 fontes ouvidas pelo Valor PRO nesta semana é que a ata do Copom terá mudanças relevantes em relação ao último documento de 2012. Raras exceções admitem a possibilidade de o BC iniciar a alta do juro imediatamente, caso o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no quarto trimestre, que será divulgado na sexta-feira, venha mais forte do que o esperado.

Uma nova redação do comunicado tornou-se necessária. Segundo analistas, a partir do momento em que Tombini admitiu a "oscilação" da Selic para enfrentar a alta de preços, praticamente sepultou a "manutenção por tempo suficientemente prolongado das condições monetárias" como a estratégia mais adequada para a convergência da inflação para a meta.

Uma evidência da falta de consenso de expectativas para a taxa Selic é a tabela de projeções para o ciclo monetário até dezembro de 2014, quando termina o governo da presidente Dilma Rousseff - há desde estimativas que enxergam manutenção da taxa básica até apostas em uma elevação de 2,25 pontos percentuais. Há até três casos de especialistas que veem dois ciclos monetários: um de alta neste ano e outro de afrouxamento em 2014 - ambos de curta duração e de ajustes suaves.

Nesse horizonte mais distante, os maiores bancos privados do país estão unidos na estimativa de estabilidade do juro nos atuais 7,25% ao ano até dezembro de 2014. Embora quatro integrantes desse grupo vejam a Selic acima de 9% após a escolha do próximo presidente brasileiro e um analista acredite que a taxa alcançará 9,5% ao ano.

"O cenário mais provável é o de estabilidade da Selic na próxima reunião, mas com o Copom mudando o texto e retirando a referência à "estabilidade da Selic por período suficientemente prolongado". Mas não devemos descartar a possibilidade de alta do juro, caso o dado do PIB do quarto trimestre venha mais forte que o esperado", afirma o sócio-diretor da ARSA Investimentos e ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do BC, Sergio Goldenstein.

Nesse caso, ele considera que aumentaria a probabilidade de o BC subir os juros já em março. "Quanto mais cedo o BC começar o aperto monetário, maior o ganho de credibilidade, o que ancoraria as expectativas e abriria espaço para um ajuste moderado, na casa de 1 ponto percentual, o que não atrapalharia a atividade. Pelo contrário, isso ajudaria, devido à percepção de controle da inflação e da menor utilização de políticas heterodoxas. O pior cenário para o governo seria entrar no ano eleitoral com inflação ameaçando estourar o teto da banda e o BC (com credibilidade arranhada) tendo que fazer um ajuste bem maior nos juros", disse Goldenstein.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, também está particularmente atento ao resultado do PIB. "Vamos rever todas as projeções depois do PIB de 2012, na sexta-feira. Tal resultado, sua composição, novas premissas sobre EUA [para baixo], câmbio [mais valorizado] e commodities [menos caras] devem afetar as estimativas. Avaliando o cenário hoje, um ajuste da Selic fica para depois da eleição de 2014", afirmou.

A economista-chefe do BNY Mellon ARX, Solange Srour, conta com a elevação da Selic pelo Copom na reunião de abril, em princípio em 0,25 ponto percentual, sem descartar um ajuste de 0,50 ponto, caso a inflação de março piore. Para a economista, a Selic pode subir até 8,50% ou 8,75% até dezembro e assim permanecer até o fim de 2014, mas com viés de alta. E essa projeção leva em conta a percepção de Solange de que o ciclo de aperto monetário tem grande chance de ser incompleto e de ter que ser retomado em 2014.

"Imaginávamos que o câmbio poderia ir a R$ 1,90 de forma mais rápida, o que foi totalmente, do meu ponto de vista, desqualificado por Mantega e por Tombini. Por incrível que pareça, não mudei minhas projeções de inflação de 2013 e 2014. E avalio que o ciclo de aperto monetário [sinalizado] está parecendo ser mais para controlar uma piora da expectativa do que para controlar a inflação de fato. O BC e o governo não parecem estar dispostos a desaquecer o mercado de trabalho e sem isso acredito ser muito difícil desinflacionar a economia", diz Solange.

Tatiana Pinheiro, economista do Santander, que projeta estabilidade da Selic em 7,25% até dezembro de 2014, é exceção entre os analistas por entender que o uso da taxa Selic levará a inflação ao centro da meta. Mas Tatiana estabelece algumas condições. "A convergência pode acontecer se o ciclo de aperto monetário trouxer o juro real para cima da taxa de juro real neutra. Estimamos que para isso deveria ser feito um ciclo de aperto monetário entre 3 a 4 pontos percentuais", afirma.

Roberto Luis Troster, sócio-diretor da Troster & Associados, que vê a mudança do texto do Copom na semana que vem, concorda com essa visão. E diz que a Selic pode começar a subir a partir de abril, com a taxa sofrendo dois ajustes seguidos de 0,25 ponto percentual, mais dois de 0,50 ponto e um último de 0,25 ponto para encerrar o ano em 9%. "É uma projeção precária e depende de três variáveis: inflação, atividade e política. Trabalho também com um cenário de mudança de regime, um "policy switch", em que considerando o fraco desempenho da atual combinação de políticas escolha-se outro. Nesse caso, a alta dos juros será antecipada, o que do ponto de vista da economia é melhor, pois quanto antes se aperta, menor é taxa de sacrifício - um ciclo mais curto e mais baixo", diz Troster, ex-economista-chefe da Febraban.

Embora o governo tenha focado na sinalização de taxa de juro como instrumento de combate à inflação, João Luiz Mascolo, sócio gestor da SM Managed Futures e professor do Insper, argumenta que o BC vai tentar ao máximo usar instrumentos alternativos à alta da Selic, como as medidas macroprudenciais e ainda desvalorizar o câmbio. Ele conta ainda com ajustes micros como as desonerações em itens que têm impacto no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). "O BC vai fazer isso até maio, quando imagino ser o prazo limite que o governo deu ao BC para elevar a Selic. Se não elevar até lá, não sobe mais neste ano", diz.

Máscolo afirma que esse BC não consegue trazer a inflação para o centro da meta. Para ele, o IPCA não volta ao centro da meta antes de 2015. E esse movimento só ocorrerá se houver medidas que alterem as expectativas de inflação e cortem a demanda. O economista lembra que o BC já está trabalhando as expectativas dos agentes a partir das recentes declarações de Tombini, a jornalistas e em eventos, quando ressaltou a cautela com que tem monitorado a inflação no curto prazo e o avisou que a taxa de juros pode vir a ser usada.

"Mas duvido que esse presidente do BC consiga recuperar a credibilidade do BC depois que as pessoas passaram a falar abertamente que é a presidente [Dilma Rousseff] que impede a alta dos juros. Sobra a demanda, que pode ser a pública ou a privada. Mas não vejo sinalização de ajuste fiscal. E no lado privado, não acredito que uma alta de um ponto percentual da Selic, por exemplo, possa afetar essa demanda", conclui.

O economista-chefe do Banco Pine, Marco Maciel, projeta dois ciclos monetários, um de aperto e outro de afrouxamento, na sequência. E afirma que o calendário político será determinante para o início e a intensidade dos ciclos de aperto e afrouxamento monetários. "Para que a política monetária permita à economia entrar em 2014 com um início de retomada de força, inflação em queda e espaço para a Selic recuar é necessário iniciar a alta de juros neste semestre", avalia Maciel que projeta juro em alta em 2013 e em queda em 2014.

"Os dados de inflação hoje são ruins, com indicadores como o de difusão em níveis históricos de alta. O BC vai aguardar os dados de inflação de fevereiro e de março. Se a desaceleração não for forte, o ciclo de aperto monetário será mais intenso. Mas é certo que o BC vai usar o comunicado e a ata do Copom de março para enviar um sinal claro e sério ao mercado", conclui Maciel.


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