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Interpretando os contratos empresariais

Há um primeiro entendimento importante: nos contratos celebrados entre si, os empresários, como regra geral, não são consumidores.

No contexto do crescente dinamismo da economia brasileira atual, é necessário empreender um esforço para atualizar constantemente a interpretação dos contratos empresariais, de modo a conferir cada vez mais segurança jurídica e maior previsibilidade econômica aos efeitos desses contratos. Os contratos empresariais, como formalização legal das operações econômicas, crescem acentuadamente em quantidade e complexidade, em um movimento natural que acompanha a expansão da economia nacional na última década. Neste sentido, merece destaque a I Jornada de Direito Comercial promovida recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Conselho da Justiça Federal, que aprovou importantes enunciados interpretativos dos contratos empresariais, merecedores de análise e reflexão.

Há um primeiro entendimento importante: nos contratos celebrados entre si, os empresários, como regra geral, não são consumidores. Esse argumento procura reparar o equívoco de se aplicar, de modo amplo, o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre empresários. Sem críticas ao Código do Consumidor, legislação avançada à qual os empresários devem se adequar no momento do fornecimento de seus produtos e serviços ao mercado, se faz necessário afastar a referência a empresários "hipossuficientes" nos contratos empresariais: como regra geral os empresários, quando contratam entre si, são profissionais, e a profissionalidade não é compatível com a hipossuficiência. O Código do Consumidor, portanto, não se aplica aos contratos celebrados entre empresários, em que um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços (enunciado nº 20).

Nesse sentido, é razoável presumir a sofisticação e a capacidade do perfeito entendimento da operação econômica objeto do contrato pelas partes empresárias. Os empresários, no exercício de suas atividades profissionais, não são equivalentes aos cidadãos comuns praticando os atos rotineiros da vida civil, pois esses cidadãos não praticam tais atos sob o manto do exercício de uma atividade empresarial organizada. Portanto, nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais (enunciado nº 21).

É importante interpretar cuidadosamente o instituto da função social dos contratos empresariais, definindo com clareza seus limites. Nesse sentido, entendeu-se que o contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial (enunciado nº 26).

Não se aplica o Código do Consumidor em contratos celebrados entre empresários

É necessário adequar a interpretação de contratos típicos do Código Civil à nova realidade dos contratos empresariais. Por exemplo, os contratos complexos de engenharia, rotineiramente praticados em grandes obras de infraestrutura, não podem ter sua interpretação restrita às disposições do Código Civil sobre contratos de empreitada. De tal modo que, com exceção da garantia contida no artigo 618 do Código Civil, os demais artigos referentes, em especial, ao contrato de empreitada (artigos 610 a 626) aplicam-se somente de forma subsidiária às condições contratuais acordadas pelas partes de contratos complexos de engenharia e construção (enunciado nº 34).

Os contratos de prestação de serviços celebrados entre empresários, de crescente utilização e complexidade, devem ser interpretados de modo a mitigar o acentuado dirigismo contratual previsto no Código Civil para a prestação de serviços, cuja finalidade original é regular os serviços de natureza civil prestados entre pessoas físicas. Por exemplo, nos contratos de prestação de serviços nos quais as partes contratantes são empresários e a função econômica do contrato está relacionada com a exploração de atividade empresarial, as partes podem pactuar prazo superior a quatro anos, dadas as especificidades da natureza do serviço a ser prestado, sem constituir violação do disposto no artigo 598 do Código Civil (enunciado nº 32).

A melhor interpretação dos contratos empresariais deve contemplar, também, os princípios do direito comercial aplicáveis a tais contratos (Coelho, 2012), especialmente a autonomia da vontade, a plena vinculação dos contratantes ao contrato, a proteção do contratante mais fraco nas relações contratuais assimétricas e o reconhecimento dos usos e costumes do comércio. Por óbvio, aplicam-se os princípios constitucionais que balizam toda a atividade empresarial, especialmente a liberdade de iniciativa, a liberdade de concorrência e a função social da empresa. Interpretar construtivamente a complexa realidade dos contratos empresariais, integrando os princípios e normas próprios do direito comercial, eis um dos principais desafios atuais da comunidade jurídica brasileira.


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